OLHAR GEEK#4
A DOENÇA POR TRÁS DE
SHARP OBJECTS
“Série é aclamada pela crítica, mas traz muito mais que
entretenimento”
Ao decorrer desta semana não se fala em outra coisa, senão o
final estrondoso da série “Sharp Objects”, exibida pela HBO. A série
protagonizada por Amy Adams alcançou aclamação tanto por parte da crítica, como
do público em geral; além da atuação fenomenal de Adams, a trama em torno de
assassinatos em uma pequena cidade atiçou os telespectadores para, em cada um
dos oito episódios do show, tentar desvendar os mistérios que rondavam a cidade
de Wind Gap.
Conduzida com maestria por Jean-Marc Valleé ( Big Little
Lies) , Sharp Objects, ou Objetos cortantes na tradução, entregou tudo que um
show da HBO necessita: episódios amarrados, atuações magníficas e roteiros
ousados que foram um verdadeiro deleite para os fãs do entretenimento. Sem
contar o plot twist no último segundo que fez toda a experiência ficar
eternizada na lembrança dos fãs.
Amy Adams e Patricia Clarkson mostraram tanta sincronia em
cena, que ficou difícil não se sensibilizar, e até mesmo identificar-se em
algumas cenas com as personagens Camille e Adora. Sem dúvida, Sharp Objects irá
repetir o mesmo sucesso de Big Little Lies e arrebatar muitos troféus na
temporada de premiações americana.
Porém, nem só de ficção vive Sharp Objects. A série trouxe um novo assunto à tona; aliás, não necessariamente novo, mas muito pouco mencionado no nosso cotidiano: a Síndrome de Münchhausen.
ATENÇÃO!!! ( SPOILERS )
P.S: E são muitos!!!
No último episódio de Sharp Objects ficamos sabendo que
Camille ( Amy Adams ) iniciou um plano para parar a assassina que aterrorizava
a cidade de Wind Gap: Adora, sua própria mãe!
Camille havia descoberto que sua mãe sofria de uma Síndrome
definida como “Síndrome de Münchhausen”; uma síndrome na qual a pessoa finge
possuir sintomas e doenças, unicamente para ter a atenção de quem a cerca.
No caso de Adora Preaker, mãe de Camille, ela possuía uma
extensão da doença, chamada de Síndrome de Münchhausen por procuração, onde
para receber atenção, a pessoa finge
sintomas e doenças, só que neste caso, em pessoas próximas a ela; utilizando da
compaixão de familiares e terceiros para satisfazer-se.
Foi descoberto que Adora envenenara sua filha do meio Ann,
para a garota sentir-se necessitada em ter a mãe por perto.
Astutamente, Camille decide entrar no jogo de sua mãe e
fingir estar doente para receber o mesmo veneno que sua falecida irmã recebeu e
assim servir como prova-viva dos crimes cometidos por sua mãe.
A irmã mais nova de Camille, Amma, também fora envenenada
durante anos por sua mãe, mas seu organismo desenvolvera uma espécie de
resistência ao veneno e portanto, a garota conseguia lapsos de saúde física e
mental, que a ajudavam a fugir de casa e praticar suas aventuras.
A Síndrome de Münchhausen é pouco conhecida na linguagem
popular. Ela foi diagnosticada em 1950, pelo médico Richard Asher; que deu esse
nome a doença em homenagem ao Barão Münchhausen, conhecido no século XVIII por
contar histórias aventurescas exageradas.
Apesar de ser confundida com outras enfermidades como:
transtornos de momento ( Somatoformes ), onde a vítima apresenta vômitos, falta
de ar, tontura, taquicardia e até taquicardia. Porém todos esses sintomas são
causados por problemas e choques reais, e não para conseguir benefícios e
atenção como na Síndrome de Münchhausen.
Adora Crellin foi capaz de matar sua própria filha, mesmo
que não intencionalmente, e envenenar as outras duas para conseguir a atenção que
julgava ser necessária, principalmente das filhas mais independentes como a
própria Camille. Isso mostra uma extrema frieza e o quanto essa Síndrome pode
levar a pessoa; não perdoando nem seus entes queridos em busca da atenção
necessária.
“Sharp Objects é mais que objetos que cortam; é sobre
traumas que nunca se curam. Aquelas cicatrizes tão profundas que mal conseguimos
enxergar!”
Há casos reais onde mães envenenaram seus filhos ou
pacientes que gastaram fortunas em internações e procedimentos hospitalares
para sentirem-se apreciados por causa de suas enfermidades.
Na série, Adora levava uma vida normal e muito satisfeita
com seu marido e Amma. Viviam numa bela casa, e tinham certa fama na cidade de
Wind Gap; muito pela tragédia acontecida com sua filha Ann alguns anos antes.
Todos nós sabemos o quanto uma tragédia pode sensibilizar a todos, e ao mesmo
despertar o melhor nas pessoas,
fazendo-as doarem seus bens e materiais e sua atenção a quem mais precisa. E
esse era exatamente o que dava prazer e satisfação a Adora. Ser apreciada; e
ainda mais quando a atenção era a de suas meninas, não importa os meios pelo
qual essa atenção viria.
Patricia Clarkson fez um trabalho maravilhoso como Adora, e
passou todos os sentimentos que a personagem precisava ter. Era a mãe amorosa e
atenciosa quando era preciso, mas também sabia nos enraivecer com seu
tratamento distante de Camille; que mais tarde ficamos sabendo que foi o
primeiro alvo de Adora, antes do envenenamento de Ann.
O plot twist no último instante da série também revela um
outro transtorno presente em Sharp Objects, porém não entraremos neste detalhe;
que merece ser abordado individualmente.
Objetos Cortantes é sobre doenças, sentimento e profundas
cicatrizes, essas sim, as mais difíceis de sarar. Os problemas familiares que
todos nós temos, aqueles que tentamos deixar para trás mas que cedo ou tarde
temos que encarar de frente. E acima de tudo, Sharp Objects é sobre traumas;
onde nos é mostrado que enquanto não aprendermos a nos curar do passado, sempre
iremos perecer perante ao mundo, e perderemos todas as cores que ele nos
proporciona.
Esse é mais um dos casos em que a arte leva ao grande
público uma trama que não necessita de grandes engenharias e efeitos para
despertar o ódio e a raiva em um vilão; pelo contrário, ela traz elementos da
vida real, que são introduzidos tão naturalmente nas telas, que nos sentimos
íntimos daquela ação quem ali se desenrola.
Como em “Fragmentado”, é o transtorno de uma pessoa que a
leva a um caminho sem volta, e neste caso, é ainda mais sentimental e sujo, por
tratar-se daquilo que mais prezamos: a família.
Todos os dias somos testemunhas de casos que nos fazem
sentir vergonha de sermos considerados racionais, e quando uma série com um
alcance tão longo nos joga na cara tudo aquilo que o ser humano pode fazer para
ter o que quer, devemos aplaudir a ousadia da maravilhosa escritora Gillian
Flynn ( Garota exemplar ), e de toda a produção da HBO, por expor esse conteúdo
com tanto cuidado e veracidade.
Não podemos esquecer também de Eliza Scanlen, a maior
revelação da série, que deu vida a Amma. Sem dúvidas, devemos ficar de olho na
australiana, que mesmo sem muitos trabalhos em sua carreira já possui postura
de gente grande em frente as câmeras.
Sharp Objects encerra sua passagem pela televisão mas, ainda
estará viva em nossa mente por muito tempo. Parabéns para o diretor Jean-Marc
Vallée, que mais uma vez mostra sua sintonia com o talento e para Amy Adams,
que mais uma vez rouba nossa atenção, e sem precisar nos envenenar rs.
"Se a perfeição existe, Amy Adams caminha a passos largos para alcançá-la"
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