O PIOR CEGO É AQUELE
QUE NÃO QUER ENXERGAR!
“O pior cego é aquele que não quer enxergar”. Lembra dessa
pequena frase que nossa vó ou nossa mãe sempre diziam? Aquele sermão velho e
batido? Pois é, em Bird Box (ou, Caixa de pássaros, em português), esse ditado
ganha um novo significado, o de sobrevivência.
Bird Box é um filme produzido pela Netflix, baseado no livro
de mesmo nome escrito por John Malerman. O longa é estrelado pela ganhadora do
Oscar e sempre maravilhosa, Sandra Bullock. Na trama, ela e um grupo de pessoas
se reúnem em uma casa após aparentemente o mundo ter enlouquecido. Pessoas
atacam umas as outras, se mutilam e se matam sem qualquer motivo. Como senão
bastasse a única forma de não “pegar o vírus” é ficar com olhos fechados. Isso
mesmo, se você ver a violência acontecendo, você é contaminado e vira mais um
Deles.
O filme cheio de suspense e com vários momentos de mistério,
está fazendo muito sucesso e agradando ao público. Porém, o que me chamou mais
a atenção sobre o enredo da trama é justamente a parte filosófica e humana por
trás de todo o roteiro.
Esse talvez seja o motivo principal dos filmes (e séries)
nos cativarem tanto, e se você está lendo esse texto, também já foi contagiado nem que seja uma só vez,
por um episódio, um filme, uma cena ou qualquer outro aspecto de uma produção
cinematográfica. É o modus operandi de cada diretor trazendo aspectos do nosso
cotidiano e de algo que parece simples mas que nem sempre enxergamos, mesmo
estando ao nosso lado; e os filmes jogam isso na tela e em grande escala, nos
conquistando e até incomodando de certa forma, nos forçando a ver aquilo que
preferimos fechar os olhos durante nossa rotina; e Bird Box faz isso muito bem.
OLHOS FECHADOS
O conceito de você “enxergar” melhor com os olhos fechados é
bem válido em alguns casos. É só colocarmos na internet e iremos ver pessoas
que não enxergam fazendo trabalhos e hobbies que nem de olhos abertos
conseguimos fazer. Agora no sentido do pensamento “enxergar” é algo que só
podemos fazer com os olhos abertos, não esses com o qual enxergamos o mundo
físico, mas os olhos da mente.
Qualquer um de nós consegue definir se uma moça é loira ou
morena, porém, não podemos definir o que ela é de verdade, em caráter, apenas
olhando. Precisamos de mais, precisamos estar aberto a todas os sinais que o
universo nos manda, prestar atenção nos detalhes, e isso sim, pode ser
considerado “viver com os olhos abertos”.
A trama de Bird Box mostra uma população que não consegue
mais olhar ao seu redor e não se contaminar com a violência. Algo tão familiar
não é mesmo?
Um homem que mata seu melhor amigo, uma mãe que mata seu
próprio filho, guerras, estupros, torturas e tudo o que há de pior no mundo é
visto todos os dias pela TV e mídias sociais.
Tudo um grande reflexo de nós mesmos, seres humanos e sua
incansável busca por destruição. Coloque
um homem na região mais distante e inabitável do nosso planeta e ele irá dar um
jeito de construir uma cabana, uma arma, e até sair de lá pelas próprias
pernas. Mas, coloque um outro homem com ele no mesmo local, e um irá matar o
outro, e colocará o instinto de sobrevivência como uma desculpa.
O homem caminha para uma destruição sem precedentes, causada
pela impossibilidade de viver em paz com grupos diferentes. Por isso em Bird
Box, quando um grupo de desconhecidos precisa se reunir para sobreviver,
conflitos internos são quase tão mortais quanto o inimigo lá fora. E a
fragilidade do nosso ser, é colocada a prova muitas vezes: se devemos ou não
abrir a porta de nossa casa para um estranho, se devemos ou não se sacrificar
pelo outro, ou se sacrificar com o outro, colocar o nosso conhecimento a
disposição de todos ou guardar para nós, e acima de tudo separar o ético do
antiético em um mundo que desmorona e perde o significado de tudo isso dia após
dia.
Digerir um longa desse tamanho é exercitar nossa mente não
para o que podemos enxergar, mas para o que devíamos enxergar. Fazer um ensaio
sobre a violência e o caos que nos cerca, e perguntar a nós mesmos, “eu faço
parte desse caos? Sou um agente causador ou a pessoa que sofre o efeito
colateral?”.
Fazer analogias e construir um ponto de vista próprio, e
começar a abordar e discutir temas que realmente são importantes para a
construção de uma sociedade. Só assim que iremos manter o nosso lar de pé.
Aqueles que causam o caos usam de todas as formas para
distanciar as vítimas de quem pode ajuda-la; isso mostra o segredo para darmos
a volta por cima. Não se distanciar de todos, e sim se distanciar de “alguns”.
Ter o poder de ler e analisar cada caso com a sua consequência; e esse dom
todos nós temos, porém não basta ter e não usar, pois o desuso estraga e
enferruja qualquer engrenagem, inclusive a nossa mente.
Bird Box é mais do que apenas podemos enxergar. Mostra o
quanto a violência é contagiante, por mais que doa admitir. Ela é forte, faz o
mundo um lugar com data de validade e mostra o pior lado das pessoas. Como no
longa, os únicos que vivem tranquilos no mundo são aqueles que tiram a
tranquilidade dos outros, promovem o caos e deixam o poder da família para
segundo plano.
No final do longa, somos testemunhas do quanto podemos
evoluir como pessoas ao permitir ouvir o nosso próprio interior, permitindo que
nossa consciência nos mostre por onde passamos e onde queremos chegar. Olhar
para dentro, para depois olhar para fora é um exercício que engrandece,
amadurece e deve ser feito por todos e sem moderação. Afinal, não queremos
viver em uma gaiola durante toda a nossa vida.
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